domingo, 26 de outubro de 2008

Primeiro Texto Paula

         Lisboa, 17 de outubro de 2008.

 

Não é mesmo muito fácil começar a escrever. Mas olhe só! Só em traçar essas palavras já comecei alguma coisa!

         Hoje é sexta feira, dia 17 de outubro e foi o último dia da oficina de corpo com a Sofia Neuparth, diretora do c.e.m. Foram 5 dias de aulas, das 10h às 15h e tenho a impressão de que foi pouquíssimo tempo e que, ao mesmo tempo, faz muito tempo que estou aqui.

         O trabalho com Sofia foi surpreendentemente SIMPLES. Basicamente caminhar, perceber, conversar. Nos começos, pelas manhãs, dizia: “primeiro dança, depois aquece”. Logo na segunda feira, quando viemos do aeroporto direto para a aula, ao entrarmos na sala de trabalho lá estava uma toalha estendida sobre o linólio, uma bacia com legumes, facas, táboa, copos, cumbuquinhas e um fogareiro. Antes de tudo, vamos preparar a sopa! Não temos tempo para sairmos para almoçar, então deixamos os legumes cozinhando para o intervalo das 13h. E assim jogávamos nas sopas desses 5 dias (com algumas variações de cardápio) nossos nomes, de onde vínhamos, nossos corpos, idéias, corporidéias, palavras, descobertas, bobagens…

         Logo de cara, na segunda feira, depois de conversarmos um bocado, o exercício era andar na sala (só dentro da sala) por uma hora! Sopa, sopa, sopa, sopa. Depois de uma hora, dançar essa qualidade por 15 minutos.

         Almoçar a sopa. O sono da viagem de 8h de avião + o fuso horário + carregar malas e mochilas + a loucura da paulicéia, onde tínhamos passado os últimos dias, era também a qualidade daquela dança. Foi, para mim, muito curioso dançar com sono! Dançar este sono. Sem fugir dele.

         Sopa, sopa, sopa, blá, blá, blá. Mais 50 minutos em um grupo de quatro pessoas a mudar de um lugar para outro e escrever. Escrever qualquer coisa. Sem partilhar as palavras, mas o ato de escrever. Dançar esta ação juntos. Zoom in, zoom out.

         Pensamento, discussão, andar, correr, pular, rir, olhar, analisar, girar, rolar, tudo imbricado nas imensas curiosidades e ganas que tínhamos (temos) de comunicar.

         Assim foi se seguindo a oficina. E não surgiu nenhum exercício brilhantemente novo. E era tudo absolutamente interessante e infinitamente inesgotável. Deitar no chão, perceber o fêmur, as omoplatas, a fisiologia DO MEU CORPO – PAULA, A SER DESBRAVADA POR MIM! Bah! Besta! Lindo! Uau!

         Consegues explicar isto enquanto danças? Podes ir ao centro para nos mostrar melhor? É frequente esse tipo de provocação vinda de Sofia. Sempre sedutora, vibrante, meio doida, engraçada, aborrecida…

         E sempre andar. Sempre discutir QUALIDADE. Andar no espaço, andar com o espaço e ser andado pelo espaço. Distrair-se, permitir-se passear. Leminski ensinou-nos: “O mundo não quer que você se distraia.  Distraídos estamos salvos.”

         Opa! Uma idéia/movimento morreu! Então tá, vamos em frente. Ser atravessado pelas coisas. Não precisamos agarrar tudo o tempo todo, entender, prestar atenção, produzir. Vá lá, ande. Depois de uma hora seu corpo estará pronto para alguma coisa. Se calhar, para descançar, ou dançar ou escrever ou olhar… mas certamente estará pronto.

         Estando aqui penso muito na UFBA. Pensei que seria mesmo um exercício de valer à pena termos uma aula (não planejada?) de todos os módulos juntos (com um professor de cada módulo?) uma vez na semana. E essa aula seria (para roubar pensamentos de Fabiana) um “exercício de articulação”. Penso que poderíamos partilhar mais nossas dúvidas e inquietações como artistas e sermos um pouco menos alunos. Uma vez na semana?

         Bem, não sei. No momento isso faz sentido para mim. Pode deixar de fazer daqui há não sei quanto tempo ou então fazer mais sentidos ainda…

         Hoje foi o último dia desta oficina e nós fomos todos para a grande Praça do Comércio e ficamos andando no quadrado da praça por cerca de uma hora e meia. Sem pudor. Menos pudor para ir para a rua. Não para apresentar nada ou mostrar coisa alguma. Podemos nos exercitar assim também. Simplesmente. Simples. Tão simples que até espanta! 

 

Paula Pó

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