quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Como vai o corpo?

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As duas últimas semanas (fora esta) foram menos produtivas  para textos. Na primeira dessas duas últimas estive gripada e na quarta feira da semana passadative uma crise de enxaqueca tão brutal que tive que ir às pressas para a emergência do hospital. Passei o dia todo lá. Tomei remédio e soro na veia, com aquela detestável agulha-caninho enfiada na minha mão direita.

         É incrível o corpo doente. É mínimo e máximo ao mesmo tempo. Economiza ao máximo a energia, pois a está gastando inteira. Complexa instabilidade.

         Agora teve uma coisa que me cutuca, até hoje, todos os dias: a materialidade da luz. Sem metáfora alguma (muito infelizmente para aquela quarta feira), a luz que entrava pelos meus olhos me espremia atrás dos olhos, ou o cérebro inteiro, e socava meu estômago. Náuseas, vômitos. Isso me impressionou muito e até hoje tenho uma sensação do toque da luz bastante diferente. Antes, a luz tocava meus olhos e eu não percebia, depois, a luz se esfregava nele e eu percebi que o tocava. Às vezes sinto muita necessidade de fechar os olhos para descançar, ou simplesmente para não enjoar.

         As experiências de dor são incrivelmente enriquecedoras. Proporcionam uma propriocepção brutal. Mesmo. É lógico que isso fica lindo e interessante depois que já passou. Curioso. Nunca tenho coragem de entrar numa situação dolorosa. Mas para enxaqueca não é preciso coragem, ela vem e acontece mesmo assim.

         Outra coisa curiosa foi que estávamos (e estamos) às voltas com esse tema da documentação. E com a minha aventura da enxaqueca eu tive um documento um tanto inesperado de mim mesma. Foi um TAC, como as enfermeiras do ambulatório chamaram. Mas era um raio x da cabeça. É incrível! É uma foto de mim, do meu cérebro, com os meus ossos e aquela massa cinzenta. Sou eu. É uma foto de mim! Mas isso é algo que eu tenho que fazer o esforço de perceber e me convencer. Se acaso fosse o cérebro de outra pessoa e viesse com o meu nome por engano na chapa, eu jamais desconfiaria que não seria eu. Se me desconcentro do esforço de ver “aquilo” como “eu”, veria como “o cérebro”. Isso me faz lebrar daquela questão sobre corpo e mente. Reconhecer-se enquanto corpo. Os guineenses, quando se cumprimentam, dizem “como vai o corpo?”. Não é fantástico? Isso eu aprendi quando passei 1h30 no Largo de São Domingos.

         É que eu realmente fiquei chocada com a minha óbvia incapacidade de reconhecer-me naquela foto de cérebro. Um documento tão preciso sobre mim, que me revela algo quase desconhecido. E que está todos os dias comigo. E que me faz ser isso que eu chamo de “eu”. Assim como o meu rosto, os meus dedos, a barriga, as linfas do sangue, as mitocôndrias… e todas essas partes que aprendemos a separar por nomes.

         Então? Como vai o corpo? Como vai a vida?

1 comentário:

Fernando Lopes disse...

É bem curiosa mesmo essa questão da dor, e de como as vezes o corpo pra se proteger, esquece dela. Não lembro do momento em que fui atropelado, ele existe como um vácuo na minha memória consciente, mas foi/é inscrita fortemente até hoje no meu corpo. Lembro-me de atravessar e depois já estava no chão, não senti nada, mas sabia que algo havia ocorrido. Se não fosse os registros físicos do acidente, poderia jurar que nada aconteceu comigo

Quanto ao registro do seu cérebro, quando fui atropelado também tirei um raio x da minha cabeça. Pra mim, aquele raio x, assim como os outros, são meras abstrações da minha imagem de cérebro ou de qualquer outra parte do corpo

Beijos !

Ei, coloquem quem escreveu o texto !